Porque meu pai é um cara muuuuuuito maneiro!Eu não consigo imaginar o mundo sem ele: seria extremamente sem graça. Porque meu pai é daqueles que anima até velório. E do jeito dele,sempre me ensinou lições para a vida inteira.
Meu pai nunca teve um carro. Acho que nem tirou carteira,embora saiba dirigir. A única lembrança que tenho dele dirigindo é a de um dia em que ele pegou um velho Passat emprestado. Exibido, quis ir até o Engenho de Dentro levar meus primos em casa. Até aí tudo bem. Só que na hora de voltar pra casa,a bateria arriou e ficamos a pé. Para desespero dele,que teve que ouvir as intermináveis queixas da minha mãe. Rsrsrs!Mas,se por um lado,ele nunca teve um carro, por outro me ensinou a ir para qualquer lado da cidade de ônibus. Google maps? Que nada!Se quero ir a um lugar desconhecido,pergunto ao Google-pai:ele raramente desconhece o "como chegar". Graças a ele e sua vida pregressa de rodoviário, aprendi desde itinerários de linhas até nomes de empresas, e aprendi também que distância não é desculpa para não ver as pessoas.
Outra coisa que meu pai me ensinou foi o respeito à diversidade. Ele nunca fez discurso sobre gays,lésbicas,bis,tris,etc. Nunca me levou à p
arada gay ou outro ambiente do tipo. Mas eu lembro bem de um amigo da nossa família,o Jorge(que,segundo minha mãe,gostava de ser chamado de Sheila,mas sempre era tratado por Jorge entre nós).Ele era,como se dizia na época,uma bichona:roupas de mulher,batom,brinco,sapato de salto.E era querido por todos,era como parte da família,amigão da minha tia,da minha avó,e é claro,do meu pai.Que nunca faltou com o respeito a ele,de modo algum,não fazia piada,não escarnecia,muito pelo contrário:a orientação sexual dele era indiferente,e nunca foi assunto para o meu pai. Anos depois,quando uma amiga convidou o papy pra ser palhaço na festa de um ano da filha dela, um gay era o responsável pela arrumação. Ele atendia pelo apelido de Bombom. A certa altura, alguém gritou: "Cadê o Bombom?" e meu pai,naturalmente,respondeu: "A essa altura,já foi comido." Arrancou várias gargalhadas,inclusive do próprio. Este foi o exemplo que tive em casa: respeito e tolerância.
Papai tem fama de 171-não aquele clássico,colarinho branco.É mais uma coisa tipo seu Madruga. Mas é um batalhador. Quando minha mãe ficou doente, ele cortou um dobrado para cuidar de mim e da minha irmã, e ainda trabalhar. Quando o mercado de persianas ficou difícil,ele não se fez de rogado. Arrumava-se impecavelmente e ia para a porta de uma escola vender bolos,salgados e pasteis, na tentativa de levar algum dinheiro para casa. Nunca nos deixou passar necessidade. Às vezes a comida até ficava beeeeem escassa, mas nunca foi motivo para nos abandonar, para se embebedar ou ficar revoltado. E mesmo com essas dificuldades, recusou-se a colocar as filhas num CIEP integral(que desde sempre foi um 'depósito de crianças')."Minhas filhas não vão pra Brizolão",dizia ele. Quando tinha reuniões na escola, ele ouvia atentamente as professoras,e depois dizia a elas: "Se ela não se comportar..." e fazia um gesto que significava 'pode sentar a bolacha".As professoras morriam de rir!
Meu pai viveu os anos 70,mas nem parece. Perguntei a ele se curtiu a época "disco" e ele respondeu com seu clássico "é ruim,heim!" Questionei se ele usava calça boca-de-sino e cabelo black power,e ele disse: "Não,nunca gostei dessas coisas de preto".(Detalhe:ele é negão)."O que o senhor usava,então,perguntei. "Roupa de homem",foi a resposta,cheia de sarcasmo.
Ele é negão, mas nem por isso fica panfletando pela causa negra. Aliás, ele seria uma aberração para o movimento negro! Solta cada piada que o levaria direto para a cadeia! Mas que, contadas por ele,são impossíveis de não rir. Mas mais engraçadas que tais piadas são os versos que ele declama,como por exemplo,este:
"Neste lugar solitário
Onde a vaidade se apaga
Todo covarde faz força,
Todo valente se ..."
Ainda na área da poesia,tem as que ele mesmo compôs, homenageando suas paixões:
"O meu coração
É de jesus
O meu pulmão
É da Souza Cruz"
E ainda tem as músicas,como a do "Boi Espalha Merda",a dos Boias-frias e outras que não sei de onde ele tirava. Tinha uma assim:
"O diabo chamou jesus
Pra brigar lá na caverna
O diabo mandou a mão
Jesus abaixou e mandou a perna"
Por falar em música,foi com ele que aprendi que Roberto Carlos é bom e que sambas-enredo são para se ouvir o ano todo. Sempre,no fim do ano, ele comprava um ou dois discos infantis (geralmente da Xuxa OU da Angélica. O da Mara ele nunca comprou,por mais que pedíssemos), o do Roberto e o de sambas. E nas vitrolinhas da vida aprendi a amar a União da Ilha, a ser Salgueiro e que aquele disco do Roberto Carlos ,de 1987,era muito bom. Mais recentemente,passei a ouvir Bethânia e Fagner por influência dele,e descobri que Benito di Paula também pode ser bem bom.
Meu pai me ensinou a ouvir rádio AM.Coisa de velho,me dirá você,mas é uma coisa maravilhosa. Notícias de todos os tipos e uma visão de mundo que nem a Internet é capaz de me dar,eu tenho através do rádio,porque meu pai sempre ouvia a Rádio Globo,onde aprendi a gostar do Francisco Barbosa,com aquele maravilhoso programa cheio de quadros humorísticos,com Hélio Jr. e Maurício Menezes,que eu pude ver em ação em um estúdio. Depois, aprendi com ele a ouvir a Tupi, e hoje tô lá,firme e forte,ouvindo-a.
Meu pai tem um defeitinho: é péssimo pra dar notícias de morte. "Pô,os caras morreram mesmo,né?" Eram os Mamonas. "Esse aí é o "vapozeiro" que morreu?" Era o Renato Russo. "Ó,não é pra falar nada pra tua mãe que o seu Milton morreu (Sr.Milton = velhinho bacana lá da nossa rua). "O seu Milton morreu?!?!?!?!?!",reagiram as duas pirralhas,chocadas. É. Sutileza,ele não tem.
Meu pai é um brincalhão incorrigível. Dois segundos de conversa já credenciam você a ser zoado por ele. Daí ele pode dizer que o menu do almoço é Orelhas de frango-como disse certa vez à minha prima-,ou ouvi-lo dizer que fulano é mais feio que o mapa do inferno. Tudo para ele é motivo de piada. Onde não parece não haver graça, ele dá um jeito de encontrar.
Com todos os defeitinhos que ele possa ter, conseguiu um feito. Minha avó, amada e muito respeitada, certa vez disse que "Carlinhos pode ser o que for, mas quando eu preciso de alguma coisa ele é o primeiro a vir me ajudar". Me inflei de orgulho. Minha vovó dizendo que meu pai era o melhor. Era quase um trofeu.
Quando aeu e minha irmã éramos pequenas, e tínhamos que lidar com a mão pesada da minha mãe, usávamos o primeiro recurso de filhadaputagem que aprendemos: ch
orar até meu pai chegar. Geralmente ele zangava com ela e dizia que não era certo bater na gente. Mas muitas vezes ele dizia: se tua mãe bateu é porque vocês mereceram!
Meu pai já foi a várias religiões e nunca se fixou em nenhuma. Nas palavras dele: "Respeito todas. Vou a qualquer coisa, menos na Igreja Universal." De fato, ele frequentou centros espíritas, mas quando começaram a lhe cobrar mais responsabilidades, parou. Mas acho que herdou uma superstição: não pega um cigarro de volta,se ele cair no chão. Perguntei se era questão de higiene e ele apenas disse, com ar misterioso: "Não. Quando cai assim, eu não pego não." Acho que esta, mais o fato de não dormir com os pés voltados para a porta da rua e o de não comer com a cabeça coberta são as únicas superstições que ele tem.
E uma das coisas mais incríveis no meu pai é que você nunca,nunca vai vê-lo se lamentando. A grana pode estar curta, o Vasco pode perder, o cigarro pode acabar, mas ele nunca fica por aí maldizendo a própria sorte. Quando o bicho pega, ele exprime sua preocupação dizendo que "a coisa tá feia. Salsicha tá comendo cachorro", ou então "tô vendendo o fogão pra comprar o bujão de gás", ou ainda "Tô mais duro que pau de tarado". Mas ficar eternamente bradando contra o governo, reclamar de tudo, invejar quem tem mais? Isso não existe para Seu Carlos.Meus pais se casaram quando minha mãe engravidou da minha primeira irmã, isso lá em 1978 ou 79. Lembro de um vinilzão do The Fevers, cheio de dedicatórias dele para a minha mãe e o bebê. A neném não vingou,mas eles continuaram juntos. E aqui estou eu, celebrando esse pai maravilhoso que eu tenho. Apesar de que, ao contar a história do casamento devido ao bebê e a posterior morte da criança, ele diz que pensou: "Fui babaca. Não precisava casar." É,mas casou. Sorte a minha...
Ah,meu pai... Quantas histórias divertidas já vivemos juntos! Quisera eu lembrar de cada uma delas . Mas escrevo um pouquinho da nossa história aqui, não caberia tudo num post só. Não me ensinou a ser vascaína,mas me ensinou a ser anti flamenguista, e me deu a camisa do Fluminense quase 20 anos após eu tê-la pedido. Ele não pôde me dar as melhores condições de vida,as roupas da moda e os presentes mais lindos, mas nunca me negou o principal que toda criança e todo filho precisa ter: carinho, cuidado e respeito. Desde o dia 31/01/1982, dia do 32º aniversário dele, e data do meu nascimento, a vida com o senhor Carlos Alberto de Oliveira foi pura alegria. Momentos tristes, houve,claro. Mas todos superados. Porque, como aprendi com ele ao longo da vida, tristezas não pagam dívidas. Se é pra viver neste mundo, que sejamos felizes.
Eu te amo muito,meu pai!
Feliz dia dos pais para todos os seus papais!Eles não são melhores que o meu,mas com certeza são muito legais também!
